segunda-feira, 25 de setembro de 2017

PARA ENTENDER A PARALISIA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Há poucos dias, ocupei um pouco do meu e do seu tempo, com a indicação do Filme Idiocracia
Hoje, faço o mesmo ao indicar o vídeo, no link abaixo, As Dez Estratégias de Manipulação, do filósofo e linguista Chomsky, muito utilizadas pelo governo e pelos meios de comunicação.


Fonte: Imagem da internet.

https://www.youtube.com/watch?v=FkjH-s1eVF8&sns=fb

Veja como fazem para que as pessoas, menos estudadas e até muitas ditas inteligentes, aceitem tudo e ainda defendam seus próprios manipuladores.

Acreditamos que um pouco de formação política e consciência crítica pode nos abrir mais os olhos e a mente para não aceitar tudo calado e de braços cruzados. Mas, esteja consciente de que isso  poderá fazer com que você não seja mais aquela pessoa tão querida, pelos chefes e amigos, especialmente aqueles que não toleram críticas e preferem a bajulação.
Prof. Dalmi Alcantara



segunda-feira, 18 de setembro de 2017

VII SIMPÓSIO INTERNACIONAL: Trabalho, Relações de Trabalho, Educação e Identidade

O VII Simpósio Internacional Trabalho, Relações de Trabalho, Educação e Identidade (SITRE) acontecerá entre os dias 28 e 30 de maio de 2018 em Belo Horizonte. O evento encontra-se em construção, contudo a data de submissão de trabalhos já foi divulgada:  01/09/2017 a 30/11/ 2017.
Acompanhe a página do facebook do evento para mais informações: https://www.facebook.com/sitreVII/
Grupos de trabalho, coordenadoras e coordenadores:
  • GT01 - FORMAÇÃO DE ADULTOS: Dra. Vera Lúcia Alves F. Brito (UEMG) e Dr. José Peixoto Filho (UEMG)
  • GT02 - IDENTIDADE PROFISSIONAL: Dra. Vanessa de Andrade Barros (UFMG), Dra. Fabiana Goulart e Prof. Dr. José Newton Garcia de Araujo (PUC-Minas)
  • GT03 - FORMAÇÃO PROFISSIONAL E COMPETÊNCIAS REQUERIDAS DO ENGENHEIRO: Dra. Adriana Maria Tonini (UFOP e CEFET-MG)
  • GT04 - TRABALHO, SABERES E EXPERIÊNCIA: Dra. Ana Cláudia Godinho (UFRGS) e Dra. Maria Clara Bueno Fischer (UFRGS)
  • GT05 - ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA NAS SUAS INTERSECÇÕES: Dra. Bianca Lima Costa (UFV)
  • GT06 - EDUCAÇÃO DO CAMPO E MOVIMENTOS SOCIAIS: Dr. Samuel Pereira Campos (UEPA)
  • GT07 - NOVAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO RURAL E URBANO:Dr.Luciano Rodrigues Costa (UFV), Dr. Claudio Roberto de Jesus (UFRN)  e Dr. Lucio Alves de Barros (UEMG)
  • GT08 - TRABALHO, POLÍTICAS E LUTAS SOCIAIS: Dra. Patrícia Vieira Trópia (UFU) e Dr. Davisson C. C. de Souza (UNIFESP)
  • GT09 - AMERICANISMO, TRABALHO E EDUCAÇÃO: Dr. José Geraldo Pedrosa (CEFET-MG)
  • GT10 - OFÍCIOS E PROFISSÕES: Dra. Maria Ligia de Oliveira Barbosa (UFRJ), Dra. Rosa Prédes(UFAL) e Dra. Glicia Gripp(UFOP)
  • GT11 - SAÚDE, TRABALHO E FORMAÇÃO HUMANA: Dr. Davidson Passos Mendes (UNIFEI), Dr. Luiz Felipe Silva (UNIFEI), Dr. Geraldo Fabiano de Souza Moraes (UNIFEI)
  • GT12 - JUVENTUDE E MERCADO DE TRABALHO: A TRANSIÇÃO DA ESCOLA AO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A REPRODUÇÃO SOCIAL: Dr. Diogo Henrique Helal (FUNDAJ)
  • GT13 - ENSINO, APRENDIZAGEM E RELAÇÃO SOCIAL E HUMANA NO CONTEXTO EDUCACIONAL DA ZONA RURAL E COMUNIDADES RIBEIRINHAS: Dr. Esequiel Gomes da Silva (UFPA) e Dra. Sandra Maria Job (UFPA)
  • GT14 – TRABALHO E POLíTICAS PÚBLICAS:  Dra. Roberta Carvalho Romagnoli (PUC Minas), Dra. Cláudia Maria Filgueiras Penido (UFMG) e Dra. Izabel Christina Friche Passos (UFMG)
  • GT15 – NARRATIVAS DA EXPERIÊNCIA: PROFISSIONALIDADE E RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO: Dra. Maria da ConceiçãoPasseggi (UFRN), Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior (UFRN), Dr. Adair Mendes Nacarato (UFRN), Dra. Adriana Azevedo (UFRN) e Dr.Hervé Breton (Université François Rabelais/França)
  • GT16 – RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, TRABALHO E EDUCAÇÃO: Dra. Silvani dos Santos Valentim (CEFET-MG) e Dra. Margareth Cordeiro Franklin (CEFET-MG)
  • GT17- TRABALHO, FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: Dr. Dalmi Alcântara (IFAM), Dr. Éder Alonso Castro (FACIPLAC), Dr. Francisco das Chagas Mendos Santos (IFAM)
  • GT18 – ESTUDOS SOCIAIS DO TRABALHO, DA TECNOLOGIA E DA EXPERTISE: Dr. Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG) e Dr. Rodrigo Ribeiro (UFMG)
  • GT19 – TRABALHO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL NOS CAMPOS DA INFORMAÇÃO E CULTURA: Dra. Helena Maria TarchiCrivellari (UFMG), Dr. André de Souza Pena (UFMT), Dra. Gabriela Belmonte de Farias (UFC) e Dr. Leonard Renaud (UFMG)
  • GT20–ATIVIDADE, GESTO, TÉCNICA E TECNOLOGIA: Dra. Lucília Machado (UNA)
  • GT21 –FILOSOFIA DA TECNOLOGIA E GÊNERO: Dra. Débora Pazzetto (CEFET-MG) e Dr. Luiz Henrique de Lacerda Abrahão (CEFET-MG)
  • GT22 – ANALOGIAS E MODELOS NO ENSINO E NO MUNDO DO TRABALHO: Dr. Ronaldo Nagem (CEFET-MG), Dr. Ivo de Jesus Ramos (CEFET-MG) e Dr. Alexandre da Silva Ferry (CEFET-MG)
  • GT23 – SABERES E EXPERIÊNCIAS DOS TRABALHADORES: Dr. José Newton Garcia de Araújo (PUC-MG)
  • GT24 - GESTOS PROFISSIONAIS E INTERCULTURALIDADE: Dr. Sébastien Pesce(Université François Rabelais/França), Dra. Lucília Machado (Una),  Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi (CEFET-MG) e Dr. Hervé Breton (Université François Rabelais/França)
  • GT25 - PEDAGOGIAS ALTERNATIVAS E INOVAÇÕES SOCIAIS: Dr. Sébastien Pesce(Université François Rabelais/França), Dra. Lucília Machado (Una), Dr. Antônio de Pádua Nunes Tomasi (CEFET-MG) e Dr. Hervé Breton (Université François Rabelais/França)
  • GT26: PRÁTICAS DE LETRAMENTO: IDENTIDADE E TRABALHO DOCENTE: Dr. Vicente Aguimar Parreiras (CEFET-MG), Dra. Leiva de Figueiredo Leal (UFMG), Dr. Cláudio Humberto Lessa (CEFET-MG) e Dra. Rita de Cássia Augusto (COLTEC/UFMG)
Faça sua inscrição, envie seu trabalho e venha debater conosco as ideias e práticas.  
Nós do GT 17, queremos encontrá-los para um momento prazeroso de debate, troca de ideias e experiências. Até o SITRE 2018!!!

  • GT17- TRABALHO, FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: Dr. Dalmi Alcântara (IFAM), Dr. Éder Alonso Castro (FACIPLAC), Dr. Francisco das Chagas Mendos Santos (IFAM)

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Artigo: A QUESTÃO ÉTICA NA PROFISSÃO DOCENTE


Confira no link abaixo o texto A QUESTÃO ÉTICA NA PROFISSÃO DOCENTE. 
Alcantara,Dalmi. Pedagogo. Doutor em Educação. IFGoiano, Câmpus Iporá. dalmi.alcantara@ifgoiano.edu.br.
Texto publicado no ano de 2016.

https://www.ifgoiano.edu.br/periodicos/index.php/ciclo/article/view/320

dalmialcantara@yahoo.com.br

Obs: Em 2017, o professor Dr. Dalmi Alcantara tomou posse, como Professor Adjunto de Filosofia, no IFAM, Campus Manacapuru. Onde lidera o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação - GEPE.

DISSERTAÇÃO DO MESTRADO

DISSERTAÇÃO DO MESTRADO


Área: Religião e Gênero

No link abaixo você tem acesso à íntegra da Dissertação de Mestrado, do Prof. Dalmi Alcantara, pela Pontificia Universidade Católica de Goiás. O trabalho teve orientação da Dra Zilda Fernandes Ribeiro, que faleceu pouco tempo depois. 

O trabalho tem como título O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA E A CONSTRUÇÃO SÓCIO-CULTURAL DA CONCEPÇÃO DE MULHER, posteriormente publicado em livro sob o título UM OLHAR SOBRE A OBRA DO SENHOR.
http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/…/Dalmi%20Alves%20Alcanta…
dalmialcantara@yahoo.com.br

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

NOVO LIVRO: ÉTICA E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

ÉTICA E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE


Esta é a nova obra publicada em outubro de 2016, pela editora Kelps, de Goiânia. O texto aborda questões importantes relativas à questão do reconhecimento e valorização da profissão docente.

Confira abaixo a Apresentação da Obra, pela Profa Vanilde Alves Peres.



A P R E S E N T A Ç Ã O

O conteúdo deste livro é um grande alerta para nós professores, que temos a missão de estimular a reflexão e a mudança, mas sabemos que a educação é apenas um processo pelo qual o ser humano passa com a finalidade de alinhavar as suas ideias, e que sozinha não muda o que já está arraigado em um sistema social.

Refletir sobre ética no redemoinho de entendimentos e na diversidade de valores com que nos deparamos na docência, não é tarefa fácil. Quantos profissionais estão deveras preocupados em passar para o discente, além do conteúdo previsto na grade curricular, saberes referentes ao crescimento pessoal e profissional?

Os princípios para o agir ético, a que o autor se refere no livro será uma base com a qual poderemos pensar a prática docente com um novo olhar, embora haja uma grande preocupação com o que a ética representa para o cidadão da atualidade e a qual foi muito bem referenciada neste livro quando cita a
abordagem dos mestres Sócrates, Platão e Aristóteles, “a ética está relacionada ao ser do homem, a forma como o homem é e se comporta no contexto sociopolítico”.

Por outro lado, enfrentamos um grande desafio quando imaginamos a ética como motivação e princípios de vida, pois cada ser humano tem princípios e motivações diferentes, embora quase todos sonhem ser profissionais de sucesso, onde quer que atuem.

Importante frisar os conceitos defendidos por Paulo Freire, que são a autonomia social e política do sujeito a fim de que se possa relembrar a responsabilidade de cada um pelo próprio crescimento e o fortalecimento da tessitura do interesse coletivo. Outro desafio, quando se trata de uma sociedade formada por interesses predominantemente individuais.

Enfim, impossível não é, fato esse que nos leva a acreditar que este livro será de grande valia em uma época de grandes reveses políticos, sociais e no campo educacional, pelos quais estamos passando.
Portanto, fica o desejo que este livro possa contribuir com a vossa formação e incansável luta pela busca da ética e sabedoria do ser humano.


Profa Vanilde Alves Peres


Pedidos, com preço especial, diretamente com o autor pelo email dalmialcantara@yahoo.com.br, com depósito em Conta Caixa e envio pelo Correio pelo valor de R$ 25,00.

sábado, 15 de outubro de 2011

HISTÓRIA, CIÊNCIA E MULHER

HISTÓRIA, CIÊNCIA E MULHER: Uma leitura do processo histórico de formação da identidade de mulher


Dalmi Alves Alcântara*


"No final do século XX, nosso tempo, um tempo mítico, somos todos quimeras, seres híbridos teorizados e fabricados ao mesmo tempo como máquina e organismo, em suma, somos cyborgs".
                                                                                                                     Donna Haraway, 1994, 244.


1. Processo histórico de formação da identidade de mulher: abordagem introdutória.

As últimas décadas do século XX destacaram-se pelas constantes crises, o colapso de instituições tradicionais e, ainda, por significativas transformações sociais, políticas e epistemológicas, que culminaram no processo de emancipação da mulher. Objetivamos resgatar as contribuições da ciência moderna na formação da identidade da mulher e as implicações desta. Conhecer o percurso histórico-cultural desencadeado no campo científico, das crises às conquistas que proporcionaram a abertura ao processo efetivamente emancipatório da mulher. Enfim, visualizar a crítica da tradição feminista ao pensamento científico dualista, hierárquico, patriarcal e reducionista e identificar sua perspectiva de atuação.

Conforme Ribeiro (1998, 138):

A labuta principal das mulheres é a superação dos usos e abusos desta categoria identificada com “natureza”, portanto, com o sexismo biologizante. Não se pretende mais respaldar este núcleo essencialista, identificado com o instinto, com o sensível, com o intuitivo, com o afetivo, que remete a pessoa da mulher para o domínio do privado, do não-poder, do doméstico, da nutrição, da procriação, da reprodução, etc.

Não podemos deixar de destacar a participação histórica e a tradição do pensamento feminista na ciência, na história e na sociedade. Segundo Gonçalves (1998, 44):

Só muito recentemente temos tido acesso a uma historiografia que nos permite conhecer como era a vida das mulheres ou os seus pontos de vista nas sociedades usualmente estudadas sob os paradigmas clássicos. Nesse sentido é possível falar, numa perspectiva ampla, em lutas das mulheres.

Gomáriz (Apud Gonçalves, 1998, 44) destaca o momento histórico, as circunstâncias em que nasce o feminismo. Conforme o autor, o feminismo “surge” nos marcos do liberalismo, do Estado moderno, com a formulação das noções de Direitos Universais.

Ribeiro (1998, 14-15) enfatiza suas contribuições. Afirma a autora que, com um novo rumo e nova força o feminismo introduziu as mulheres na cultura secular, de origem (então) claramente masculina, da razão, da autonomia, do domínio sobre a natureza, rompendo justamente com a tradicional identificação da mulher com a natureza.

Desse ponto de vista, o feminismo rompe com a identificação da mulher com o não-racional, o físico, o particular, o doméstico e, investe em uma forma de pensar o mundo relacionada uma nova prática. Não aceitando a idéia de apenas “um absoluto” ou “uma verdade”, pois é a variação nos métodos e objetivos que passa a caracterizar este novo modo de ser e pensar.

Gonçalves ao comentar o posicionamento de Scott quanto ao surgimento do debate acerca das questões relacionadas a gênero, chama atenção para a efervescência de discussões epistemológicas deste final de século e de milênio e ao esforço das feministas em encontrar terreno próprio de definição, diante da incapacidade dos paradigmas tradicionais em explicar as desigualdades entre homens e mulheres (GONÇALVES, 1998, 48).

Esse novo jeito de ser e pensar que está nascendo com as feministas, não admite dualismos, uma vez que está voltado para a pessoa como ser real e total.

É preciso estar ciente de que não existe pessoa humana abstrata, isto é, um humano não corporal. O que existe são pessoas humanas encarnadas no corpo, e este corpo surge no mundo mediante uma história que é única, no sentido de ser pessoal (RIBEIRO, 1998, 21).

E, ainda mais, Ruether (1993) salienta que as mulheres precisam recusar o eu egoísta, modelado com base no individualismo masculino, e sustentar, ao invés dele, o “eu fundamentado”, que está relacionado com outras pessoas e com o serviço mútuo.

Gonçalves (1998) destaca também as importantes contribuições de Foucault para a compreensão da construção de uma nova concepção de mulher e gênero. Afirma:

As contribuições de Michel Foucault com sua concepção de poder - afirmando suas conexões com as estruturas sociais, explodindo a idéia de um poder que governa de cima para baixo, mostrando-nos como opera intersticialmente em todas as direções, formando relações de poder (GONÇALVES, 1998, 49).

A novidade que ela retrata no pensamento de Foucault se trata de sua concepção de poder. Ele trata o poder não sob o ângulo jurídico ou econômico , mas como relação, dispersão , o que possibilita grandes alterações na prática e compreensão do conhecimento científico, inclusive no que se refere à condição da mulher.

As implicações da identidade histórico-cultural de mulher estão, em grande parte, relacionadas à cultura judaico-cristã monoteísta masculina. Visto que a mulher assume, geralmente, a condição de servidora e dependente do homem na Igreja, o que é reproduzido na ciência e na sociedade.

Santiso (1993, 107) apresenta a história da mulher em nível de América Latina. Segundo ela:

A mulher pobre, apesar de seu papel fundamental na economia de auto-suficiência doméstica e da responsabilidade pelos trabalhos do lar, tem habitualmente péssimas condições de saúde pública e de educação: é relegada a plano secundário. Nos meios populares não goza sequer dos direitos mínimos que lhe cabem como ser humano. Fala-se de modos errados de viver “o feminino” na América Latina.

Santiso destaca também as condições que ocorrem estas situações da mulher. Em primeiro lugar, enfatiza a submissão e a passividade que são realidades habitualmente aceitas pela mulher pobre enquanto “destino” ou mesmo “vontade de Deus” , que se manifestam como resignação, passividade, aceitação de abusos sexuais, dependência. Enquanto realidades provenientes do destino da mulher ou da vontade de Deus levam às mulheres a se julgarem inferiores, não conhecerem suas possibilidades nem seus valores e, portanto a não assumirem suas responsabilidades. A mulher acaba por adotar, inconscientemente, atitudes de menor, temores infantis de ser abandonada, espancada, de ficar desprotegida, sem apoio. Isto culmina na formação da própria identidade da mulher: “sente-se inferior, mais fraca, e aceita, com fatalismo, os castigos impostos pelo varão” (SANTISO, 1993, 107).

Em segundo lugar, a autora nos chama atenção para a questão da realização da mulher. A realização pessoal da mulher fica limitada ao fato praticamente biológico de “ter filhos”. Desconsiderando que a maternidade muitas vezes é fruto da violência, da promiscuidade ou do álcool. Destaca inclusive que, até em situações desumanas, a maternidade continua sendo fundamental para a autovalorização da mulher.

Segundo Santiso (1993), a situação de violência e dominação doméstica é amplamente conhecida, silenciada e justificada de forma fatalista, enquanto “ordem” ou realidade imutável e necessária.

Além de Santiso, Ruether (1993) também nos apresenta a situação da mulher na religião e na sociedade. O monoteísmo masculino reforça a hierarquia social de domínio patriarcal, através de seu sistema religioso. A autora afirma que Deus é modelado de acordo com a classe dominante patriarcal, e pensa-se que ele se dirige diretamente a essa classe de homens, adotando-os como seus filhos.

De acordo com a autora, os homens, na verdade, não são filhos, mas representantes de Deus, os parceiros responsáveis pelo pacto com ele, enquanto as mulheres, como esposas, tornam-se agora simbolicamente reprimidas como a classe servidora e dependente. E mais: juntamente com as crianças e os servos, elas representam aqueles que são dominados e possuídos pela classe patriarcal.

Acaba-se por concretizar uma hierarquia de Deus-homem-mulher, onde a mulher se torna ontologicamente secundária em relação a Deus, o que lhe dá uma identidade negativa em relação ao divino, como enfatiza Ruether (1993). Nessa hierarquia o homem é encarado essencialmente como imagem do ego transcendente masculino ou de Deus, enquanto a mulher é vista como imagem da natureza inferior, do material.

A religião, além de legitimar uma representação histórico-social determinada, pela formação da instituição familiar e de suas possíveis conseqüências para os familiares, representa um contexto maior, em que, segundo Ruether (1993), os papéis fisiológicos e sociais femininos são considerados inferiores, perigosos e poluidores em relação à religião e à cultura masculina. Isso, consequentemente, reduz o mundo da mãe ao círculo doméstico estabelecido que consiste em dar à luz, amamentar, cuidar das crianças pequenas, transformar o cru em cozido, fazer utensílios domésticos, etc. o que a distancia da ciência oficial masculina.

Neste contexto doméstico, a mulher é levada a assumir uma identidade reducionista que a impede de perguntar por si mesma como pessoa humana. A mulher tem assumido, conforme salienta Ruether (1993, 155), a condição de:

Menina bonita com quem se brinca e a quem se louva por sua graciosidade; ou a mulher sexy que manipula sua atratividade física; ou a boa esposa que granjeia elogios por ser uma dona-de-casa diligente e servir atenciosamente aos homens.

Outro aspecto importante, salientado por Ruether (1993, 68), no que tange à inferiorização na identidade feminina, é a redução das mulheres ao silêncio. Depois de serem reduzidas ao silêncio, o monopólio masculino sobre a definição histórico-cultural faz delas objetos e não sujeitos dessa definição. O que pode ser visualizado no momento em que os homens definem as esferas masculina e feminina do ponto de vista hierárquico e patriarcal, restringindo ou eliminando interpretações provenientes do ponto de vista feminino.

Todos esses são fatores que nos impulsionam a compreender essa realidade paradoxal: a mulher que é objeto da ciência moderna e a ciência que é repensada pelo pensamento feminista. Há um contexto de construção e desconstrução na atualidade do pensamento científico ocidental.

2. Aspectos históricos do debate de gênero

Antes de entrarmos propriamente na questão da mulher e a ciência, buscaremos traçar alguns aspectos históricos relacionados ao debate de gênero. Pois, as questões relacionadas à mulher surgem inicialmente no contexto do debate de gênero. Faz-se necessário ressaltar que estudaremos gênero na perspectiva histórica e sócio-cultural.

Grossi (2000) nos apresenta um breve histórico da preocupação e dos estudos de questões de gênero. Segundo ela, a problemática surge no bojo das lutas libertárias dos anos 60, e cita alguns movimentos daquele período:

As revoltas estudantis de maio (1968) em Paris, a primavera de Praga na Tcheco-Eslováquia, os black panters, o movimento hippie e as lutas contra a guerra do Vietnã nos EUA, a luta contra a ditadura militar no Brasil. Todos esses movimentos lutavam por uma vida melhor, mais justa e igualitária e é justamente no bojo destes movimentos “libertários” que vamos identificar um momento chave para o surgimento da problemática de gênero, quando as mulheres que neles participavam perceberam que, apesar de militarem em pé de igualdade com os homens, tinham nestes movimentos um papel secundário. Raramente eram chamadas a assumirem a liderança política: quando se tratava de falar em público ou de ser escolhida como representante do grupo, elas sempre eram esquecidas e cabia-lhes, em geral, o papel de secretárias e ajudantes de tarefas consideradas menos nobres, como fazer faixas ou panfletear (GROSSI, 2000, 30).

Além do que acabamos de citar, a mesma autora destaca também outras questões bastante significativas deste momento, como o grande questionamento a respeito da sexualidade.
Segundo Grossi (2000), contribuíram para o questionamento da sexualidade naquele período questões como: a comercialização da pílula anticoncepcional, o questionamento da virgindade da mulher como valor para o casamento, a possibilidade do sexo como forma de prazer e não somente para a reprodução humana e o início do debate acerca destas questões na universidade. É nessas circunstâncias que se começa a perguntar pelo lugar das mulheres, até então invisível.

A autora afirma também que no Brasil gênero ou relações de gênero, como campo de estudos, surge nos anos 1970/80 em torno da condição feminina.

A concepção de gênero tem nesse contexto uma forma binária – homem/mulher - onde não se admite qualquer variação – o homem é superior à mulher, inclusive é ele quem detém o poder; e o que conseqüentemente não poderia ser diferente: a concepção de gênero acaba por reproduzir o modelo binário, hierárquico e patriarcal da cultura ocidental.

A concepção de gênero, predominante, está relacionada ao contexto sócio-cultural e histórico vigente. E enquanto não se desenvolver uma “nova concepção de gênero”, não será possível ampliar a concepção de mulher. Até pode acontecer de se inverterem os pólos, mas continuará binária e hierarquizada, o que para o ser humano e a cultura não implicaria em avanço significativo.
Para Bidegain (1996, 22), a categoria gênero, na perspectiva histórica:

Envolve o estudo da relação que se estabelece entre eles, relação que é hierarquizada; logo, a categoria de gênero torna-se chave fundamental para compreender a estruturação do poder social, econômico e político, e isto dá embasamento para o estudo histórico da sociedade.

Destacamos também a diferenciação entre a questão biológica e histórico-cultural com as quais se costumam fazer muitas confusões quando se trata do conceito e da identidade de gênero. Segundo Bidegain, a distinção entre o biológico e o cultural faz-se necessária pela quantidade de interpretações diferentes e tendenciosas que se têm desenvolvido historicamente. Afirma:

Partimos da constatação de que, embora biologicamente nasçamos macho ou fêmea, a construção da identidade feminina, masculina ou homossexual, ou seja, a construção dos gêneros, é uma construção social e cultural e, portanto, um processo histórico e sujeito a ser historiado (BIDEGAIN, 1996, 22).

Quando situamos gênero como uma categoria de pensamento relacionada às diferenças sexuais, uma categoria construída e difundida social e historicamente, faz-se necessário afirmar que não é possível aceitá-lo sendo algo definitivo ou imutável, algo fechado, categoria pronta. Pelo contrário, gênero se constrói a cada instante, em cada contexto, isto é, em cada realidade social e cultural específica.
Grossi (2000) não só aceita a possibilidade de mudanças conceituais, como ressalta a necessidade de modificar cotidianamente o que é esperado dos indivíduos do sexo feminino; segundo ela, o gênero entendido como associado ao sexo biológico está em permanente mudança e ajuda a reconfigurar as representações sociais de feminino e de masculino.

A autora está entendendo os papéis de gênero relacionados à questão da historicidade e a noção de gênero vigente na sociedade; que os papéis de gênero vão influenciar diretamente a identidade de gênero. Os papéis de gênero poderão mudar de acordo com as exigências histórico-sociais, mas estarão condicionados à identidade de gênero vigente.

Outra contribuição importante de Bidegain é acerca dos excluídos/as e do silenciamento que tem perpassado a historiografia , que nos ajuda a entender também a questão de gênero, ela fala de uma crescente conscientização quanto à exclusão das mulheres da tomada de decisões.

Exclusão esta que tem sido justificada e ainda legitimada pela historiografia, na medida em que as categorias de análise até agora utilizadas e a própria concepção historiográfica predominante centrada na história do poder, tornava invisível a história de quem eram os excluídos/as desse mesmo poder (BIDEGAIN, 1996, 13).

Dentre os de história invisível a autora visualiza a mulher. É notável aqui uma relação direta na historiografia entre a questão do poder e a identidade de gênero, uma vez que os excluídos pela condição de gênero são também os excluídos da estrutura do poder.

O processo de emancipação da mulher nas últimas décadas, conforme afirma Bidegain (1996), proporcionando-lhe a obtenção de direitos civis e políticos e a condição de agente sócio-histórico, se deu fundamentalmente pelo acesso à educação e a participação nas lutas sociais . E ainda, segundo a autora, foi de considerável relevância nesse processo a multiplicação dos estudos que procuravam tirar a mulher da invisibilidade a que fora submetida (Cf. BIDEGAIN, 1996, 13). A entrada das mulheres no debate e questionamento do pensamento e estruturas científicas, portanto, acreditamos dar condições para o processo de emancipação e a retirada da mulher da invisibilidade.

Fato importante percebido por Bidegain (1996, 14) foi a preocupação em não escrever a história a partir da perspectiva dos que tinham o poder em suas mãos, seja este econômico, político, científico, cultural, do qual as mulheres, de modo geral, têm sido excluídas.

Outro fato marcante na construção da identidade dicotômica de gênero pode ser verificado na relação explicitada por Bidegain entre o método científico baconiano e a justificação fundamentada na vontade divina. Segundo a autora:

O método experimental baconiano, central no seu projeto, se propõe uma dicotomia entre homem e mulher, pensamento e matéria, objeto e sujeito, razão e emoção, enquanto paralelamente conjugavam-se o masculino e o domínio científico da natureza, da mulher e do mundo não-ocidental (BIDEGAIN, 1996, 17).

Além dos dualismos reforçados pelo método experimental baconiano, importantes na formação da concepção binária de gênero, que contribuíram para a sujeição da mulher, a autora apresenta a violência legitimada pela religião, sob o pretexto do método científico, para a dominação e exploração inescrupulosa da natureza.

As imagens de sujeição e domínio da natureza, criadas pelo programa baconiano e a revolução científica, eliminaram as relutâncias anteriores e se tornaram o aval cultural para a depredação da natureza e o avanço cruel e dominador do homem branco portador da ciência e da técnica, sobre milhões de seres humanos, utilizando como metáfora a vontade divina do domínio do homem forte e sábio sobre a mulher bela, porém fraca e incapaz. O uso da violência, em todas as suas formas, ficava justificado e legitimado (BIDEGAIN, 1996, 17-18).

Podemos verificar que há uma relação em nível mais amplo, entre a concepção de mulher e o contexto cultural, científico, técnico e religioso - como justificação e legitimação - sob o aspecto do poder/subordinação, dominação e exclusão.

Entretanto, não foi apenas a imagem da mulher que foi tornada invisível na cultura científica ocidental. Bidegain (1996, 18) afirma que o programa proposto pelos teóricos da revolução científica não incluía todos os seres humanos, pois na prática beneficiava somente o empresário europeu do sexo masculino, ao unificar a ciência, o poder econômico e o político.

Segundo Bidegain (1996, 19), a histérica caça às bruxas, dos séculos XVI, XVII e XVIII, visou aniquilar a mulher cientista e especialista, e se deu justamente durante a época da revolução científica.

Conforme afirmamos, o contexto de exclusão não é a única forma de atuação do poder e não envolve apenas as mulheres, podemos falar também da submissão. A submissão se destaca como outro elemento que, fruto da unificação dos poderes, não é aplicada apenas à mulher, mas se estende a outros grupos da sociedade, segundo afirma Bidegain(1996, 19).

O abandono da concepção materna da natureza por obra e graça da ciência moderna e o casamento entre o conhecimento e o poder, levaram igualmente à submissão da mulher e das populações não européias.

Constrói-se uma concepção de gênero relacionada às concepções históricas, científicas, culturais, econômicas, políticas e religiosas de poder. Enfatizaremos mais adiante a relação entre a mulher e o pensamento científico.

3. A mulher e a ciência

Em se tratando mais especificamente da relação histórica entre mulher e ciência, é importante percebermos que, a ciência moderna nos coloca frente a conhecimentos (aparentemente) reais, verdadeiros, neutros, imparciais, objetivos e universais. E daí provém sua credibilidade, seu status, um tanto de religião, por conter ou pretender conter tais características. Com isso, não pretendemos negar a significação e a evolução fantástica possibilitada e promovida pela ciência: evolução técnica, científica e, inclusive, epistemológica. Mas, perceber, como se dá na ciência moderna, a relação entre o conhecimento e o corpo, isto é, qual é o papel que o corpo exerce em relação ao conhecimento e sua contribuição para a formação da identidade de mulher.

O que se tem destacado em termos de conhecimento científico não nos parece da forma como foi exteriorizado, objetivado e interiorizado pela própria sociedade. Permanecem ainda muitas questões a serem respondidas. Enquanto exemplos: como falar em um conhecimento imparcial, objetivo e neutro, partindo do pressuposto que esse conhecimento provém apenas da razão? Não é a razão simplesmente ‘uma’ dimensão do ser humano? Como fica a identidade de mulher em relação à ciência? Questões como estas ainda continuam a desafiar ao próprio conhecimento.

A partir das questões colocadas acima, que nos parecem problemas e problematizadoras, é que pretendemos refletir sobre a ciência moderna e falar em um conhecimento que não tem a pretensão de ser absoluto, imparcial, neutro, (...), universal. Nos interessa pensar um conhecimento que provém do indivíduo como um todo, sem dualismos, um conhecimento que não nega o corpo e seu significado na aquisição e disseminação do conhecimento. Para tanto, estamos entrando em uma compreensão do conhecimento que foge aos ideais da ciência e da filosofia moderna, uma compreensão da ciência sem a negação do corpo e do sensorial, que vem sendo estruturada a partir de uma contribuição significativa das pensadoras feministas e de filósofos e epistemólogos chamados pós-modernos, como Michel Foucault.

Ressaltamos a contribuição do estruturalismo foucaultiano em relação ao pensamento feminista e a crítica à ciência moderna. No entanto, não estamos afirmando que Foucault estruturou uma epistemologia pós-moderna, o que também não seria completamente equivocado se fizermos uma leitura de suas obras.

Além da contribuição de Foucault, chamamos atenção para o importantíssimo papel desempenhado pelo pensamento feminista no questionamento aos parâmetros de avaliação e sustentação do conhecimento científico moderno. O pensamento feminista questiona a epistemologia ocidental (objetiva, imparcial, neutra, universal, dualista, hierárquica e patriarcal). Vejamos seu aspecto crítico: uma epistemologia

"tanto hierárquica como piramidal. Esse sistema valoriza mais algumas modalidades de conhecimento do que outras e eleva um tipo a uma posição de primazia e de independência em relação aos outros. A ciência e a filosofia empenham-se em alcançar e defender esta forma de cognição, altamente desejável: objetiva, factual, Razão Pura" (DONNA WILSHIRE, 1998, 101).

A autora nos coloca frente a questões bastante pertinentes como pode ser observado no texto acima. Ressaltamos a questão da divisão, hierarquização e das convicções do pensamento moderno a que a autora nos remete.

Além de Donna Wilshire, importantes autoras feministas vêm se destacando tanto na luta pela mudança nos parâmetros epistemológicos como na prática social objetivada em nossa cultura ocidental, como: Donna Haraway, Teresa de Lauretis, Alisson, Branca, Schott, e tantas outras.

Nos interessa abordar aqui aspectos da história da relação corpo/conhecimento, refletir sobre o corpo como lugar e sujeito de conhecimento em um novo parâmetro epistemológico. Na fronteira entre a ciência moderna, marcadamente ocidental, e o pensamento feminista é que situamos nossa pesquisa.
Segundo Donna Haraway (1995, 15),

"as feministas têm interesse num projeto de ciência sucessora que ofereça uma explicação mais adequada, mais rica, melhor do mundo, de modo a viver bem nele, e na relação crítica, reflexiva em relação as nossas próprias e as práticas de dominação de outros e nas partes desiguais de privilégio e opressão que todas as posições contém".

Quando se trata do relacionamento entre o corpo e o conhecimento um fator é bastante representativo no pensamento moderno: a hegemonia da razão, em detrimento do corpo. Daí pode-se perceber que o conhecimento vem geralmente relacionado a razão e o corpo relacionada a emoção. Quem distingue essa representação de forma bastante interessante é Jaggar (1995, 157), quando afirma:

"A razão não só se opõe a emoção, mas é associada ao mental, ao cultural, ao universal, ao público e ao masculino, enquanto a emoção é associada ao irracional, ao físico, ao natural, ao particular, ao privado e, obviamente, ao feminino".

Dessa forma é possível notar as primeiras características desse modo dualista, hierárquico e patriarcal de conceber o pensamento científico moderno e as coisas em geral. Entretanto, isto reflete histórico-culturalmente além das relações entre as coisas, perpassa as relações entre as pessoas em um modo sexista e claramente dualista de ver as relações da ciência moderna com a mulher, o que tem sido questionado pelo pensamento feminista.

Nas “simples e ingênuas” situações cotidianas é possível notar que, não é apenas o pensamento feminista, mas, tudo o que concerne ao feminino vem sendo relacionado a juízos de valor no modo dualista e hierárquico, enquanto bom ou ruim, mais ou menos importante, científico e não-científico; e, na maioria dos casos, do lado oposto ao melhor e mais significativo. Conforme destaca Donna Wilshire (1988, 101),

"o conhecimento, ou consciência saudável do mundo, vem de muitos tipos de saber operando em conjunto ou em turnos, com nenhum deles recebendo, em última análise, mais valor do que outros".

Para completar, Foucault vem demonstrar a importância do corpo enquanto detentor de poder e, esclarecer a importância deste enquanto mecanismo de dominação do próprio corpo, do conhecimento e da pessoa como um todo. Mas, não é só a relação com o corpo que é problema. O problema se refere ao método, a forma como se relacionam o conhecimento e a ciência com a própria realidade, isto é o mais problemático.

Esse autor propõe uma nova teoria do conhecimento, se é que podemos chamar assim, o que ele denomina Arqueologia. Esta “caracteriza-se pela variação constante de seus princípios, pela permanente redefinição de seus objetivos, pela mudança no sistema de argumentação que a legitima ou justifica” (MACHADO, 1988, 57). Exatamente aqui podemos visualizar este novo horizonte de um relacionamento mais próximo entre o corpo e o conhecimento e uma afinidade com o pensamento feminista. Pois, Foucault não nega o corpo e reconhece a temporalidade (variação/dispersão) de todo o conhecimento.

Conforme mencionamos, Foucault possibilitou, em certo sentido, o fortalecimento do movimento feminista pela mudança nos parâmetros de construção e reconstrução do conhecimento.
Enfatizamos a afirmação de Ribeiro (1998, 14-15) que, “o feminismo introduziu as mulheres na cultura secular, de origem claramente masculina, da razão, da autonomia, do domínio sobre a natureza, rompendo justamente com a tradicional identificação da mulher com a natureza”, isto é, com o não racional, o físico, o particular, o privado.

Junto a esta nascente maneira de pensar o mundo está intrinsecamente relacionada uma nova prática onde não é possível aceitar a idéia de apenas “um absoluto, uma verdade”, pois é a variação nos métodos e objetivos que passa a caracterizar este novo conhecimento. Com isso, não podemos trabalhar com a separação razão/corpo, uma vez que o pensamento feminista está voltado para a pessoa como ser real, integrado e concreto, ou seja,

"é preciso estar ciente de que não existe pessoa humana abstrata, isto é, um humano não corporal. O que existe são pessoas humanas encarnadas no corpo e este corpo surge no mundo mediante uma história que é única, no sentido de ser pessoal" (RIBEIRO, 1998, 21).

Parece-nos que tanto Foucault como Ribeiro, assim como outras pensadoras feministas, citadas ou não, têm levado a uma nova forma de nos relacionar com o conhecimento científico e o corpo. Assim, é visto que não acreditamos em um conhecimento que provém apenas da razão, em detrimento do corpo, um conhecimento que contribui com a hierarquização não só dos conhecimentos, mas das pessoas e, um conhecimento que não tenha como pressuposto a pessoa humana e suas reais potencialidades, necessidades e vontades. Não temos o intuito de negar que o conhecimento provém da razão (ciência). Afirmamos, entretanto, que não temos conhecimento de nenhuma razão produzindo conhecimento de qualquer valor que seja, fora de um corpo, vivo.
Estamos entendendo o corpo e a razão como partes que constituem um todo e que produz, conjuntamente, não apenas conhecimento, mas estão em tudo interdependentes. Assim, “todo agir humano implica sua corporalidade em qualquer que seja a dimensão” (RIBEIRO, 1998, 30). Dessa forma, a ciência dualista, hierárquica e patriarcal perde sentido e a ciência assume novos rumos, na perspectiva da integração, o que certamente refletirá na identidade de mulher construída e instituída histórico-culturalmente.

Todo o debate acerca da mulher na ciência e da ciência para a mulher conquista espaço, principalmente, através do debate em torno da construção da identidade de gênero. Relacionaremos a seguir alguns aspectos históricos que marcaram o debate de gênero e a luta das mulheres.

4. A integração no campo científico e a (re)construção da identidade de mulher

A relação entre a razão, a experiência e as emoções,ou seja, a integração do conhecimento como um novo parâmetro na atividade de produção e aquisição de novos conhecimentos é o que abordaremos mais especificamente aqui - o que já vem sendo pensado e adotado pelo(s) modo(s) feminista(s) de se relacionar com o corpo e o conhecimento e de relacionar corpo e conhecimento.

E para aprofundar na pesquisa quanto a este parâmetro científico, lembramos algumas das questões colocadas no início deste texto: como falar em um conhecimento imparcial, objetivo e universal, partindo do pressuposto que esse conhecimento provém apenas da razão? Não é a razão simplesmente “uma” dimensão do ser humano?

Para compreendermos a reconstrução da identidade de mulher, iremos abordar a estas questões com ênfase nas características dos novos paradigmas epistemológicos, sem dualismos, fundamentando-as no saber localizado, que visa a integração do ser humano como todo e com o todo.

Nesse intento, a contribuição de Donna Wilshire (1998, 116) é fundamental. Ela nos possibilita perceber que:

"A emoção, a paixão e a especulação impetuosa tornam-se essenciais para a ciência. (Diz ela) Prevejo o dia em que todos os debates de idéias e de ciência incluirão poesia, história oral, literatura e alusões emocionais. Estou ansiosa por ler uma astrônoma - matemática que dê aos ritmos, à música e a dança que sente em seu corpo, enquanto está observando, a mesma atenção que dá ao observado: a dança cósmica, o fluxo e a energia que está reduzindo a fórmulas ou sobre os quais está especulando".

A autora destaca, portanto, a importância da pessoa vivenciar de forma prazerosa, cheia de vida, tudo o que estiver fazendo, inclusive ciências. Ou seja, que não prevaleça o dualismo radical e frio que temos presenciado nos últimos séculos entre ciência e realidade. Desta forma é possível e importante que a ciência esteja inserida na vida e a vida na ciência. Que a ciência esteja em função da vida e, que a pessoa reconheça e viva as alegrias dos progressos científicos. Ao unir ciência e vida a autora quebra os dualismos e resgata a identidade da mulher, antes desligada do processo de produção científica, enquanto agente capaz de unir razão e emoção, assim como a identidade do homem, antes desligada da realidade da vida e, supostamente, das emoções.

Entretanto, arriscamos em afirmar que nunca a ciência, o cientista, conseguiu desligar-se totalmente da emoção, do prazer. Nunca o cientista deixou de comemorar uma nova descoberta ou os passos de um processo que levasse a evoluções e revoluções científicas. Acreditamos que “a ciência, a literatura e a arte devem valorizar-se mutuamente, incorporar e compartilhar os métodos e formas umas das outras” (DONNA WILSHIRE, 1998, 116).

Por outro lado, os dualismos, que ora nos referimos, têm suas razões de existir e persistir. Eles servem a determinados grupos que insistem em deter o poder de “controlar” corpos e mentes. E, vinculado não simplesmente a pessoas individuais, mas a um sistema mais amplo – patriarcal, machista, hierárquico, determinista, ideológico – que tem dominado a produção do conhecimento e os instrumentos de produção e divulgação.

Donna Haraway (1995) propõe “os saberes localizados”, quando aborda a questão da ciência para o feminismo e o manifestação da perspectiva científica parcial. Nos deteremos um pouco na apresentação da problemática abordada.

Entre as questões colocadas pela autora, uma expressa grande parte de nossas preocupações: a objetividade científica. A autora expõe os motivos para desmascarar este modo de pensar, afirma: “desmascaramos as doutrinas de objetividade porque elas ameaçavam nosso nascente sentimento de subjetividade e atuação histórica coletiva e nossas versões “corporificadas” da verdade” (DONNA HARAWAY, 1995, 13). Esta questão nos preocupa exatamente por sua manifestação dualista, onde relaciona objetividade e subjetividade e, ainda, por configurar um posicionamento a-histórico às questões científicas.

Outra questão trabalhada pela mesma autora é o interesse das feministas em uma nova forma de pensar e fazer ciência, que não esteja tão desligada da vida e do mundo, que nos

"ofereça uma explicação mais adequada, mais rica, melhor do mundo, de modo a viver bem nele, e na relação crítica, reflexiva em relação as nossas próprias e as práticas de dominação de outros e nas partes desiguais de privilégio e opressão que todas as posições contém" (DONNA HARAWAY, 1995, 15).

Sem dúvida, estamos certos de que não é mais possível aceitar a idéia de um conhecimento desintegrado, imparcial e universal e, da urgência em uma reformulação do pensamento científico moderno.

Enfatizamos que não pretendemos negar simplesmente a ciência e a filosofia modernas, mas situá-las em um plano não apenas da abstração, da negação e da exclusão. Conforme Donna Haraway (1995), precisamos do poder das teorias críticas modernas sobre como significados e corpos são construídos, não para negar significados e corpos, mas para viver em significados e corpos que tenham a possibilidade de um futuro e que promova a esperança e a concretização de dias melhores para a humanidade; sem tanta negação, subordinação e exclusão.

Por fim, para resgatar o todo da pessoa e todas as pessoas, como produtor e produto do conhecimento, nesse processo integrado, chamamos atenção para a consideração da pessoa como um todo.

Os órgãos sensoriais como parte da pessoa são necessários para qualquer produção humana, científica ou não. Uma pessoa desprovida de um ou alguns dos sentidos pode muito bem produzir cientificamente. Contudo, desconhecemos qualquer conhecimento que, excluindo ou dispensando todos os órgãos dos sentidos, seja digno de credibilidade. Menos ainda, um conhecimento com pretensão a objetividade, neutralidade e imparcialidade.

A partir da perspectiva feminista, chegamos aos “conhecimentos integrados” como caminho para um novo modo de ser e produzir conhecimentos e, é claro, um novo horizonte para relações sociais mais humanas e humanizadoras. Assim acreditamos contribuir para a reconstrução da identidade de mulher, mas não só: é todo o conjunto que precisa ser pensado de forma mais relativa, integrada e integradora – gênero, história e ciência.

É inconcebível essa história de convivência e conivência passiva com um modelo de ciência que discrimina e exclui a maior parte dos conhecimentos que foram e são produzidos e, as pessoas que os produz. É necessário reagir contra a sua posição histórica que legitima uma sociedade de classes, através do dualismo ciência e não-ciência, razão e emoção, homem e mulher.

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Breve Biografia

Breve Curriculum do Prof. Dalmi Alcantara


O Prof. Dr. Dalmi Alves Alcantara nasceu em Jaupaci (GO), em 05 de junho de 1972, onde viveu até os oito anos de idade, quando se mudou para a cidade de Iporá (GO). Começou seus estudos escolares aos oito anos de idade em uma pequena escola de pau-a-pique, com cobertura de folha de babaçu, ali mesmo na zona rural de Jaupaci. Como aluno, destacou-se pela necessidade de fazer valer as próprias ideias, tornando-se, por vezes, aluno indisciplinado. De família simples teve uma vida de enfrentamentos de desafios econômicos e socioculturais. Aos dezessete anos iniciou formação religiosa em um seminário católico, onde permaneceu em formação por oito anos. Mudou-se para Goiânia em 1991, onde cursou licenciatura em filosofia na Universidade Federal de Goiás. Insatisfeito com os conhecimentos relacionados à capacidade de comunicar por escrito e oralmente, fez um curso de especialização em leitura e produção de textos, também na UFG. Foi professor de filosofia, no Ensino Médio, nas redes pública e privada de ensino, em Goiânia e Iporá. Convidado, iniciou sua trajetória de docência no Ensino Superior na Universidade Estadual de Goiás (2000), depois na Universidade Católica de Goiás, Fac Lions e, posteriormente no Uni-Anhanguera Centro Universitário de Goiás (2002), antiga Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas, em todas ministrando aulas de Filosofia, Filosofia da Educação, Metodologia da Pesquisa e Ética. Dentre as publicações, os livros: Um Olhar Sobre a Obra do Senhor: a construção sócio-cultural de Mulher na Igreja Católica (2004), Pensando a Formação do Educador (2005), Baú Sagrado: Dossiê fotográfico de arte sacra de Goiânia (2007) e Ética e Profissionalização Docente (2016); os artigos: Os Desafios do retorno da filosofia (2000), A Ciência e o Processo de Construção da Identidade de Mulher (2002), Os Desafios da Atuação Docente no Contexto Histórico-Cultural Brasileiro (2006), dentre outros. Fez Mestrado em Ciências da Religião na UCG, defendendo dissertação sobre questões de gênero, mais especificamente sobre As Contribuição da Religião na Construção Sociocultural de Mulher. Fez doutorado em Educação na UAA, reconhecido UFPE, com tese sobre Ética e Profissionalização Docente. Idealista e sonhador, tem como lema “viver a vida com sabedoria e arte”. Atualmente é professor de filosofia no Instituto Federal do Amazonas, Campus Avançado de Mancacapuru - IFAM.

A ÉTICA E OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Artigo: A ÉTICA E OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL


Dr. Dalmi Alcântara

1 Introdução

A relação entre ética e formação profissional foi pensada, no contexto deste capítulo, na perspectiva histórico-crítica, com o intuito de visualizar o conceito de ética, sua relevância e evolução, o papel desempenhado pela educação na formação dos novos profissionais e, se a educação tem contribuído para a formação de profissionais autônomos, participativos, ambientalmente responsáveis e comprometidos sociopoliticamente.

A ética manifestou-se como um debate relevante já na antiguidade, por demonstrar os dilemas e as contradições da conduta humana. Mas, em certos momentos, ateve-se a um discurso meramente moral e comprometido com ideologias particulares e sectaristas, conforme serão apresentados neste trabalho.

Fala-se atualmente de uma necessidade cultural da ética, das tendências e ambigüidades de tal fenômeno, do re-nascimento e da urgência da reflexão ética, da atenção com que hoje são considerados e discutidos os problemas éticos, inclusive no contexto brasileiro.

2 O Nascimento da Reflexão Ética

A reflexão ética surgiu na Grécia Antiga quando fora direcionada ao interior do ser humano, seus valores, princípios e conduta. Sócrates, Platão e Aristóteles ofereceram importantes referenciais à formação do pensamento ético. Em Sócrates, por exemplo, o pensamento volta-se da natureza para o ser humano, sai da preocupação com a origem das coisas para a busca da verdade e da perfeição humana. Segundo Nalini (1999, 48), a preocupação de Sócrates está no conhecimento que tem como objeto a alma humana, ou seja, surge a compreensão de que a verdade está oculta no espírito humano, de forma que superando seus erros e limites será possível encontrá-la no próprio homem.

A perspectiva socrática se resume em compreender que a bondade é resultado do saber. Para alguém ser feliz é necessário ser bom e para ser bom é preciso ser sábio; de forma que a pessoa que encontra a verdade oculta em sua alma sente-se obrigado a ajustar a ela sua conduta. Assim, o conhecimento do bem determina a prática da virtude, enquanto a maldade explicita a ignorância humana.

A questão ética saiu da preocupação com a natureza ao interior do homem, à sabedoria humana. Nessa perspectiva, Sócrates, enquanto representante ou patriarca do pensamento filosófico ocidental, influenciou o pensamento platônico e aristotélico, de forma que ambos têm o ser humano como referencial - o homem como ser social, o homem da polis e para a polis, o que desencadeou um novo conceito - o de cidadão -, ou seja, a compreensão de que o homem bom é o bom cidadão, aquele que consegue colocar em primeiro lugar o bem coletivo, o bem da pólis.

A ética, portanto, versa sobre as questões propriamente humanas, seus comportamentos e os princípios de vida. Ela, afirma Sanchez Vázquez (2002, 21), é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência ou comportamento humano, o comportamento moral; e seu valor encontra-se naquilo que explica ou fundamenta e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas ou particulares.

2.1 A ética no contexto histórico-cultural brasileiro

A peculiaridade brasileira quanto às questões éticas e morais fundamenta-se nas marcas histórico-culturais da colonização, legitimada pelos jesuítas; pois àqueles fora atribuída a responsabilidade pela formação religiosa e educacional dos povos da colônia. Daí para frente tal realidade foi direcionada para um processo de formação e manutenção da estrutura dominante e muitas vezes opressora, representada pelos dualismos: colonizador e colonizado, dominador e dominando, senhor e escravo, patrão e empregado, professor e aluno, homem e mulher, oficial e popular (cf. ALCÂNTARA, 2004). Entretanto, houve por parte de autores brasileiros, na área das teorias da educação , no século XX, a tentativa de viabilizar novas perspectivas educacionais, uma educação voltada para o resgate ontológico do sujeito, com liberdade, autonomia e comprometimento.

A estrutura política manteve-se no Brasil com imposições e reações. Se por um lado existiram forças que impunham seus interesses no intuito de tirar proveito e manter tal realidade; existiam, por outro, forças que reagem, gemem, outras vezes gritam, apanham ou morrem, sob o pesado jugo imposto pelo poder colonizador/dominador. A imposição aconteceu nos primeiros séculos da história oficial brasileira envolvendo colonizadores europeus, a aristocracia local que foi se formando, os índios, os negros e, posteriormente, se estabeleceu nas micro-relações sociais: família, educação e relações de trabalho.

A busca por perceber as exigências e os desafios da educação brasileira, no que se refere à formação profissional, possibilitou visualizar as conseqüências e a força das marcas histórico-culturais que chegaram ao século XXI. A história está marcada pela violência de uns sobre outros, o que se inicia, conforme lembra Dimenstein (1994), com o massacre de índios e negros. Uma violência que prosseguiu sob novas e sofisticadas modalidades de controle e manutenção da dependência.

2.2 A dimensão ontológica da ética

A dimensão ontológica da ética questiona a impossibilidade do ser humano reagir e sonhar. O que surgia como perspectiva de transformação era e continua sendo criticado e silenciado. Pois, instituiu-se na cultura brasileira uma humanidade ontologicamente passiva, dependente, artificial, virtual e descartável, isto é, uma humanidade desumana, desprovida de senso humanitário. Tal passividade passou a ser vista, pelas elites brasileiras e visitantes estrangeiros, como o grande valor do povo brasileiro, sinônimo de simplicidade, humildade e hospitalidade, passível de questionamento. Arduini (1989, 63), comentando a trajetória que marcou a construção das culturas brasileiras, afirma que é gritante distorção obrigar o homem a contrair-se e atrofiar-se para que prevaleçam interesses econômicos e políticos de grupos. Contudo, assim foi a construção da realidade histórico-cultural brasileira. Uma situação desoladora, pois o silenciamento e o desvirtuamento dos valores e princípios essenciais ganharam força no campo político, religioso, educacional e profissional, que levaram as pessoas a se verem em um jogo, onde vale tudo para transmitir uma imagem/aparência de bondade, justiça e de um futuro ideal, mesmo que irreal.

Urge, portanto, na sociedade brasileira, a construção de políticas educacionais fundadas no resgate de valores e princípios, voltados para a edificação de cidadãos e profissionais mais humanos e éticos. O momento exige pensar a formação de cidadãos, em pleno exercício da autonomia, e de uma sociedade que preze verdadeiramente pela igualdade de direitos a todos. Mesmo que esse ideal possa parecer utópico não se deve esquecê-lo. Pois, o esquecimento desses valores vai simplesmente levar a uma continuidade no processo opressor e de sustentação da dependência histórica, isto é, da história da manutenção de privilégios, sustentação do silêncio e de aparências.

Frente a essa situação, Arduini (1989, 162) adverte que não basta declarar retoricamente, mais uma vez, que todos são iguais. É preciso tornar efetiva a igualdade, uma igualdade que não exclua compreensíveis e limitadas diferenças entre os homens. Não se pode tolerar a desigualdade que divide a sociedade em super-homens de um lado, e sub-homens de outro. Faz-se necessário compreender que igualdade e dignidade não são dádivas de regimes ou culturas, mas expressão ontológica dos seres humanos.

Tais ideias expressam um importante elemento para a educação: o compromisso com a disseminação de valores mais humanos e humanizadores, a possibilidade de assegurar que todos sejam iguais porque tem o direito de serem diferentes; e que esta diferença não seja sustentada pela derrota alheia, mas por afirmar e defender um dos maiores pressupostos de humanidade: a autonomia, isto é, a liberdade com competência e responsabilidade. Todavia, isto requer, quanto ao referencial ético, a formação de profissionais mais conscientes e atuantes, em defesa dos próprios direitos e dos direitos de seus clientes, como critério e requisito existencial de toda profissão.

No que se refere objetivamente à educação enquanto elemento importante no processo histórico de formação da sociedade, Ribeiro (2001, 20) destaca de forma notável a relação entre a educação e os interesses colonialistas na história do Brasil, o que reflete explicitamente na formação excludente, sob o interesse da metrópole: a subordinação dos povos da colônia. A instrução, a educação escolarizada só podia ser conveniente e interessar a esta pequena camada dirigente (pequena nobreza e seus descendentes) que, segundo o modelo de colonização adotado, deveria servir de articulação entre os interesses metropolitanos e as atividades coloniais.

Não se consegue enxergar que a sociedade está e continua sendo treinada para absorver formas convencionais, estilos estereotipados e alternativas regulamentadas , e que, exatamente por esse motivo, tende a rejeitar instintivamente a inovação, o salto, o que distoa dos modelos consagrados, como assegura Arduini (1989). Mesmo que ambiguamente requisite e exija a quebra dos velhos paradigmas.

Enfim, quando se pensa a formação pessoal e profissional voltada para o agir ético e autônomo, entende-se uma formação para a liberdade, responsabilidade, capacidade e necessidade de criar e decidir em todas as áreas, próprias do gênero humano, contrariando, no entanto, a perspectiva histórico-cultural que tem criado e legitimado uma perspectiva formativa reprodutivista, e que se tornou legítima ao senso comum; inclusive no contexto educacional com a afirmação de que hoje nada se cria, tudo se copia, tudo se reproduz.

A compreensão da relação entre a questão ética e a formação profissional, conforme veremos em seguida, passa pelo entendimento do significado dos termos trabalho e profissão, e pelas exigências inerentes à formação e ao desempenho do educador enquanto agente e formador de valores éticos dos profissionais em geral, inclusive de novos educadores. Independente da concepção individual, o que pretende esta reflexão é reforçar a idéia de que o ato de educar requer ir além do simples trabalho, mas como ato profissional a ser exercido por pessoas com qualificação e compromisso com o resgate ontológico do ser humano.

3. Ética e Profissão: Da formação ao exercício profissional

A questão ética vista nas relações de trabalho e exercício profissional possibilita ao ser humano compreender que nem todos os que trabalham são profissionais; e que, em relação aos profissionais, requer um compromisso consciente, competência técnico-científica e ética, assim como, a compreensão das implicações sociopolíticas do trabalho, como por exemplo, a exigência da formação permanente, o risco da alienação, do trabalho escravo, etc.

3.1 Dimensão histórico-cultural do trabalho

O que é trabalho? Que significado assumiu no contexto histórico-cultural brasileiro? Ao pensar a questão conceitual de trabalho faz-se ligeira referência à Cotrim (2000, 23), onde o mesmo explica que trabalho é toda atividade na qual o ser humano utiliza sua energia física e psíquica para satisfazer suas necessidades ou para atingir um determinado fim. O trabalho, portanto, diz respeito ao esforço humano na busca pela satisfação de suas necessidades e realizações, o que permite ao homem expandir suas forças, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades.

Pelo trabalho o ser humano pode moldar e transformar a natureza e, ao mesmo tempo, a si mesmo. No entanto, historicamente, predominou a concepção de trabalho como situação degradante e indesejada, especialmente na história da sociedade brasileira, por ter sido entendido como equivalente às atividades dos escravos, trabalhos braçais sob controle e imposição de um sistema que apenas decide, ordena e fiscaliza. Tal situação legitimou e reforçou a perspectiva dualista, trabalho braçal em oposição ao trabalho intelectual, em detrimento do primeiro.

O processo de legitimação dualista negou a compreensão do trabalho como atividade em função da construção do homem e do mundo, realização pessoal e cultural. Ele tornou-se atividade alienadora, divisor de classes, desprovido de prazer e realização. Além da negação dualista, Cotrim (2000, 23) apresenta outro aspecto negativo em relação ao trabalho, seu sentido etimológico. Pois, o termo trabalho vem do latim tripalium, um instrumento de tortura feito de três paus. Sua relação com a tortura, a dor e o sofrimento o faz mais indesejável ainda. Daí desencadeia outras concepções de trabalho, como: luta, ralação, batalha, dar o sangue.

O trabalho pode ser compreendido em múltiplas perspectivas, no entanto, destaca-se aqui o fato de que toda e qualquer atividade humana, consciente ou inconsciente, na intenção de se chegar a um determinado fim pode ser entendida como trabalho. Todavia quando a questão muda para a condição do trabalho como exercício profissional requer outra reflexão. O trabalho passa pela ação consciente, opção pessoal, compromisso efetivo e pessoal com a construção de si e do mundo, o que decorre do dever profissional.

3.2 Ética, profissão e sociedade

A atividade profissional consiste no exercício habitual de uma tarefa específica a serviço de outras pessoas. O que implica uma relação entre necessidade e utilidade social, com exigências específicas. Sá (2007, 152) explica o termo profissional como a evidência, perante terceiros, das capacidades e virtudes de um ser no exercício de um trabalho habitual de qualidade superior. Sabendo-se que o que faz superior o trabalho profissional é o fato de supor capacidades, virtudes e compromisso social específico em seu exercício, o que extrapola qualquer noção de trabalho.

A participação social pelo trabalho profissional acontece mesmo no âmbito individual, ou seja, quando o indivíduo contribui ou sonega contribuição em seu grupo, tal ação ou omissão reflete no todo da sociedade, ou seja, com determinada ação individual ganha ou perde toda a sociedade. A ética profissional está voltada, portanto, à consciência do compromisso com o desenvolvimento de toda a sociedade e da sociedade como todo, não simplesmente para o crescimento individual ou do grupo restrito de profissionais da área. Quando a pessoa tem consciência do valor social de sua ação ela torna suas realizações significativas, dignificando assim sua profissão.

A ética profissional, portanto, demanda compromissos e responsabilidades em sentido amplo, com toda a sociedade e, em sentido restrito, com a própria profissão e seu corpo de profissionais. Tal compreensão leva a pensar em deveres que se impõem e passam a conduzir as ações do indivíduo perante seus clientes, seus colegas, a sociedade, o Estado e perante sua própria conformação mental e espiritual. Isto pressupõe que cada um consulte sua consciência ao escolher o que quer exercer profissionalmente: se a tarefa é efetivamente desejável e se as condições e competências pessoais condizem com as peculiaridades inerentes àquela tarefa. Sá (2007) afirma que, o dever profissional nasce primeiro do empenho de escolher, depois daquele de conhecer, e finalmente do de executar bem as tarefas, com a prática de uma conduta baseada em valores ou guias de conduta, ou seja, a escolha da profissão implica o dever do conhecimento, o dever do conhecimento implica o dever da execução adequada, da atualização constante e aperfeiçoamento cultural.

Sá (2007, 165) assinala também que qualquer indivíduo que aceita um encargo sem ter a capacidade necessária para exercê-lo assume uma prática condenável, em razão dos danos que pode causar. Portanto, o dever de conhecer envolve o dever de estar apto perante a ciência, a tecnologia, a arte e o dever de ter o domínio sobre o que envolve o desempenho eficaz da tarefa, assim como, o dever para com a eficácia da tarefa envolve a posse do saber, a percepção integral do objeto de trabalho e a aplicação plena do conhecimento de ambos na execução, de modo a cumprir o que se faz exigível, com a qualidade desejável. O que pode e deve ser compreendido em todas as profissões, pois suas existências decorrem da necessidade e utilidade por parte da sociedade, como foi apresentado anteriormente.

4 A Ética e a Profissão Docente: os desafios da formação profissional

A compreensão da questão ética no caso específico da profissão docente exige o entendimento de uma aproximação entre as características do posto de trabalho e das exigências que a dedicação às tarefas educativas levam consigo, ou seja, as tarefas educativas reivindicam maior e melhor formação, capacidade para enfrentar novas situações, preocupação com aspectos educativos que não podem ser descritos em normas, integridade pessoal, responsabilidade naquilo que faz, sensibilidade diante de situações delicadas, compromisso com a comunidade, como explica Contreras (2002, 72-73).

Outra característica significativa da prática educativa é o fato de requerer intenso grau de responsabilidade, pois não se pode ser responsável se não é capaz de decidir, seja por impedimentos legais ou por falta de capacidades e moral. O educador pode contribuir de forma clara e decisiva em favor do desenvolvimento de responsabilidades e competências, quando o mesmo assume a própria responsabilidade educativa.

O desempenho de todo profissional pode enobrecê-lo pelo exercício de ações virtuosas, competentes e comprometidas, como pode também levá-lo à desmoralização, por meio de conduta inconveniente, pela ausência de requisitos fundamentais ou ignorância quanto às competências e aos princípios éticos. A educação, inserida nas doutrinas morais e na ética, requer uma visão de totalidade: compromisso com a integridade do profissional, com a qualidade das relações profissionais e com o desenvolvimento social.

O dever profissional de colaborar com as transformações políticas, científicas e sociais na sociedade é de máxima importância e tem suas bases na formação educacional. Quando a educação promove uma formação comprometida com os propósitos de alcançar o bem social, em regime de interação com a sociedade, torna-se efetivo seu papel.

As virtudes, competências e compromissos relacionados ao exercício da profissão docente, os deveres inerentes à educação e ao educador, as funções da educação e do profissional docente serão abordadas, sob o referencial da literatura freireana, na perspectiva de educar para a formação de cidadãos e profissionais com princípios e valores éticos.

Em Professora sim, Tia não, Paulo Freire ressalta as qualidades inerentes à tarefa do profissional docente, uma condição que exige comprometimento com a totalidade do processo relativo ao próprio ensinar. Pois, a tarefa do educador, que é também aprendiz, é prazerosa e exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional e afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos alunos, mas ao próprio processo que ela implica.

A amplitude do que se espera dos docentes foi apresentada também por Contreras (2002, 73). Segundo ele, autonomia, responsabilidade e capacitação são características tradicionalmente associadas a valores profissionais que deveriam ser indiscutíveis na profissão docente. E que a profissionalização pode ser, nessa perspectiva, uma forma de defender não só os direitos dos professores, mas de todos os envolvidos no processo educacional. No entanto, as exigências profissionais contrastam com o que transparece na feição de uma parcela dos professores. Muitos vivenciam uma situação de descrença e desconfiança em suas próprias capacidades de agir e reagir livre e autonomamente. Paulo Freire (1997, 9) ressalta que a tarefa de ensinar é uma tarefa profissional que, no entanto, exige amorosidade, criatividade, competência científica, mas recusa a estreiteza cientificista, que exige a capacidade de brigar pela liberdade sem a qual a própria tarefa perece.

A educação, como todas as áreas, requer dos profissionais envolvidos uma série de valores e competências que são requisitos fundamentais para aqueles que são efetivamente profissionais. Contreras (2002, 76) destaca três dimensões específicas da profissionalização na perspectiva educativa, são elas: a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e, por último, a competência profissional.

Entender os pressupostos do exercício profissional possibilita aos educadores um nível de comprometimento com a qualidade dos profissionais que ajudam a formar e colocar no mercado de trabalho. Se são éticos ou não depende em boa parte do que vêem e ouvem no decorrer de sua formação, de seus mestres e colegas de estudo.

A profissão docente implica ensinar e aprender, e ainda, aprender ao ensinar. O que, quando mal-compreendido, pode produzir mazelas na própria formação desse profissional e na formação dos educandos envolvidos. Prevenindo isso, Paulo Freire (1997, 19) afirma que o fato, porém, de que ensinar ensina o educador a ensinar um determinado conteúdo não deve significar, de modo algum, que o educador se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe. A responsabilidade ética, política e profissional do educador lhe colocam o dever de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes.

Como se pode compreender, ao educador são exigidas a competência para o desempenho de suas atividades e a responsabilidade ética, política e profissional, perante si mesmo e aos alunos, os futuros profissionais. Por outro lado, a questão da competência e da responsabilidade coloca esse profissional frente a um problema bastante relevante – o gosto pelo estudo – que muitos não têm; o que, em princípio, é absurdo e inaceitável, pois como se pode admitir que aquele que orienta nos estudos não goste de estudar. No entanto, o autor (FREIRE, 1997, 25-6) frisa que na realidade histórico-cultural brasileira estudar é quase sempre um fardo, ler é uma obrigação amarga a cumprir. Entretanto, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, por resultar no indispensável conhecimento com que nos movemos no mundo, teríamos melhores índices de qualidade na educação brasileira.

Além de conhecimento da profissão, do mundo e o gosto pelo estudo, são qualidades indispensáveis ao bom desempenho da atividade educativa, segundo Freire (1997, 37-43), a humildade, amorosidade, coragem de lutar ao lado da coragem de amar, tolerância, decisão, segurança, parcimônia verbal e a alegria de viver. Essas são qualidades essenciais aos formadores de novos profissionais, pois formam pelos valores e exemplos que transparecem no exercício das atividades profissionais.

O autor (FREIRE, 2004, 22) também relaciona os saberes considerados fundamentais à prática educativa crítica. Dentre esses saberes, destaca a própria concepção de ensino, a necessidade da compreensão por parte do formando e do formador de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção. Ou mesmo, compreender que o educador já não apenas educa, mas enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não valem (FREIRE, 2004, 39). É dessa forma que as profissões contribuem para o desenvolvimento da sociedade: quando ambos crescem por terem satisfeitas suas necessidades no exercício de suas atividades profissionais a sociedade inteira cresce e reconhece.

Em síntese, é necessário, portanto, compreender que não basta ao educador e aos educandos saber que ensinar não é transferir conhecimentos, mas que vejam o ensino como criação de possibilidades para a produção de conhecimentos; requer que assimilem ontologicamente, politicamente, eticamente, epistemologicamente e pedagogicamente o que foi objeto de estudo.

5 Considerações Finais

A prática pedagógica contemporânea deve assegurar a possibilidade da ação livre, autônoma e responsável aos educadores e educandos, possibilitando a apresentação de valores éticos essenciais à formação de sujeitos que atuem na construção do conhecimento e do mundo de forma mais eficaz. Assim, quando o educador assume o desafio de exercer de forma mais responsável a sua profissão, enfrentando os desafios a ela inerentes com competência e responsabilidade, todas as demais profissões tem a possibilidade de tornarem-se mais coerentes e a sociedade mais realizada e realizadora. Não se está afirmando ingenuamente que a educação formal seja a salvação da sociedade, mas que pode dar significativa contribuição se levada a sério por parte de todos os agentes envolvidos: governo, instituições de ensino, educadores e educandos.

6 Questões para Refletir e Debater

a. A formação ética e a formação de profissionais éticos foi e tem sido um grande desafio aos estudantes, educadores e às instituições de ensino, pois ao mesmo tempo a sociedade exige qualidade, rapidez e baixo custo na formação profissional. Como enfrentar esse desafio?
b. Como a instituição de ensino pode assumir de forma mais comprometida e co-responsável a tarefa de formar profissionais?
c. Quais são os referenciais para se pensar a formação de profissionais éticos? O que o profissional necessita para exercer eticamente sua função na sociedade?
d. Em que sentido pode-se afirmar que cada profissional é co-responsável pela própria formação?

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